terça-feira, 7 de abril de 2015

ABORTO: ARGUMENTOS POR CIMA DO CADÁVER...



Não iniciarei este texto adentrando na discussão pelas vias do "criminalizar não soluciona o problema", pois pretendo escrever mais especifica e detalhadamente sobre este tema em outro texto. Fique dito, contudo, que este argumento existe, e é bastante válido no debate que permeia o tema aqui tratado.
De qualquer sorte, comecemos assim:

Criminalizar o aborto sobre o pretexto de proteção à vida do embrião consiste, em suma, em conceder direito à vida a um amontoado de células quando, em verdade, o que se quer proteger com o direito assegurado no art. 5º, caput da CRFB é a vida humana individual. Se hoje o nascituro tem uma expectativa de direitos, isso se deve a certa nebulosidade do conceito de vida humana, ou mesmo o de "ser humano".

- Sim, eu sei o teor do art. 2º, CC e todas as normas que garantem direitos sucessórios aos embriões. Mas sabe qual é o ponto nevrálgico desta questão e que prova por quê, em verdade, o embrião não tem direitos, mas tão somente expectativas de direito? É que TODOS os direitos a ele garantidos dependem de seu NASCIMENTO COM VIDA! Curioso não? Pois bem... continuemos. -
Se, por exemplo, um paciente com morte cerebral não detém mais direito a vida, pois juridicamente é tido como morto, por lógica, considerar-se-ia o feto anencéfalo e/ou mesmo o embrião até o 3º mês como "morto" no sentido jurídico. Este conceito de morte nos remete, em verdade, ao que chamarei de "fim ou inexistência do indivíduo" e este último, compreenderemos como estritamente vinculado às suas atividades cerebrais.

Assim sendo, o embrião “não existe”, mesmo estando vivo, uma vez q suas células estão em pleno funcionamento (ao menos não enquanto indivíduo). Não é senciente. E, destarte,  possui a mesma validade dos milhões de células que matamos quando passamos por processos estéticos como cirurgias plásticas e/ou mesmo esfoliação ou masturbação. Quer ver?

Elas estavam vivas? Sim. Eram vidas humanas? Sim, pois tinham a nossa carga genética. Nós a matamos? Sim, elas passam a ser células mortas poucos momentos após a sua extração. Mereciam tutela jurídica? Não, pois muito embora fossem vida humana, não constituíam um indivíduo. Compreendes a diferença? Esta é a distinção basilar da tutela da vida. Ela, em verdade, deseja salvaguardar O INDIVÍDUO. Ocorre que o indivíduo imprescinde da vida material para existir, ao contrário do que as teorias dualistas religiosas tendem a apontar (e é neste ponto, inclusive, onde reside a maior contradição no que tange a aversão dos religiosos ao processo de aborto!!!).
Para assegurarmos a existência dos indivíduos, somos, então, obrigados a manter seus corpos vivos. Daí termos positivado tutela à vida em nossa legislação. ^^

Mas isso de forma alguma significa tutelar TODA E QUALQUER VIDA HUMANA, pois, se assim fosse, o punheteiro seria, em verdade, um genocida. É q a lei não se presta a doutrinar, por isso não veio tudo explicadinho, conforme acabo de fazer. Mas vamos de novo:

Um paciente com morte cerebral tem o funcionamento do restante de seu organismo em perfeito estado, dependendo, contudo, de aparelhos (tal qual o embrião depende do útero, ahn?).
"Ah, mas o feto detém carga genética q forma um novo ser, uma nova vida, por isso já é humano e merece tutela". Bem, isso nos faz retornar àquela parte do texto onde tratei sobre as vidas "tuteláveis".

Agora... atenção aqui porque não quero repetir: sua opinião de que a vida começa na concepção, em verdade, é uma afirmação inconteste!! Não percebeste a partir da leitura (supostamente) feita até aqui?! Ninguém discorda dela. Se não percebeste isso, então te convido a ler mais uma vez o descrito acima. Há vida em todas as células humanas, mas qual delas merece tutela, a partir de que momento e por que? Este é o ponto!    

A tese de que o embrião, um dia, pode vir a ser um indivíduo, o que, em tese, o difere dos demais casos citados, merece especial atenção, pois ocorre aqui um conflito de direitos: direito de vir a ser do embrião (lê-se: um amontoado de células intrauterinas sem capacidade de direito) X direito de liberdade sobre o próprio corpo da mulher (lê-se: indivíduo, sujeito de direitos, em pleno gozo de sua capacidade de direito). A mim, soa óbvia a escolha sobre qual sacrificar.

Quer mais? Pense então em dois direitos conflitantes entre duas pessoas detentoras de IGUAL capacidade de direitos. Talvez assim o caso fique mais simples de se resolver pra ti:

Um pai necessita da doação de um órgão (ex.: rim) para viver e a única pessoa compatível é a sua filha. Poderíamos obrigá-la a fazer a referida doação? Me parece que não. Se assim for, também não podemos obrigá-la a "doar/emprestar" seu útero ao embrião (que nem sujeito de direitos é!!!).    

Mas retorno: só tem direito quem é e não quem um dia, quiçá, possa vir a ser. Não podemos começar a tentar proteger todas as hipotéticas vidas individuais. É necessário que estabeleçamos um limite, caso contrário proibiremos a masturbação, a esfoliação, a cirurgia plástica, o uso da camisinha e a própria renovação celular que ocorre naturalmente em nosso organismo!! Todas essas células poderiam “vir a ser” alguém algum dia. Bastaria que, sei lá, clonássemos elas a ponto de desenvolver um novo ser. Só que, sabidamente, esta tutela é impraticável e beira a loucura.   

O limite, então, me parece ser o seguinte: coisas não tem direitos. Pessoas tem direitos. Assim sendo, a mulher tem; o amontoado de células embrionárias, embora vivas, não. O direito enquanto atributo do ser, deve ter sempre um sujeito passível, possuidor do que se conhece como "capacidade de direito". Uma reles hipótese (embora física e viva) não é alguém, mas tão somente uma hipótese, que, assim sendo, não pode ser sujeito de coisa qualquer. E se se quer tutelar coisas, como se indivíduos fossem, que ao menos os direitos destas coisas não se sobreponham aos direitos das pessoas!!!          

O argumento da proteção à "VIDA INDIVIDUAL" favoreceria inclusive outras lutas, como a da "descoisificação" dos animais, pois são seres sencientes e, portanto, INDIVÍDUOS, passíveis de direitos, a partir deste reconhecimento. A França, ao que me parece, já tem adotado este critério, pois recentemente reconheceu em seu C.C. que os animais são seres senscientes e que, exatamente por isso, são "portadores" de direitos.

P.S.: Aceito críticas, mas relembro: o Estado é laico. Argumentos meramente religiosos não merecem a minha atenção. Alguém mais?
;) :*

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